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A Tradição do Mangá

Imagine um país com 90% do povo como classe média. Assim, o povo pode ter acesso a todos os bens de consumo que o capitalismo pode oferecer. E o sistema de ensino - embora repressor - funciona, somando estonteantes 98% das crianças e adolescentes na escola, mais a assistência médica fornecida por empresas e não pelo Estado. Assim é a sociedade japonesa.

Junte tais fatores sociais à tradição cultural japonesa da leitura - que bem que o brasileiro deveria ter. Em casa, no trem, no ônibus, todo lugar é lugar para se ler no Japão. Afinal, como disse Olavo Bilac, "um país se faz com homens e livros". Para se ter uma idéia, já em 1702 havia uma revista em quadrinhos, chamada Tobae Sankokushi, muito antes do americano Yellow Kid e do velho Angelo Agostini. Quanto a tiras de jornais e charges, começaram no Japão bem antes.

Com toda uma gigantesca tradição e isolada do mundo por vontade (quase) própria, o país sempre possuiu histórias ilustradas destinadas ao entretenimento ou divulgação de idéias. Todavia, para chegar no sistema atual, o Japão comeu o pão que o americano amassou na Segunda Guerra Mundial. Para sair da crise, só o trabalho resolveria (mais a vontade política e uma mobilização da população. O japonês não é apático como aparenta).

Some a tudo isso, no pós-guerra, milhares de desempregados, derrotados, revoltados, humilhados. Era preciso pôr esse povo para trabalhar. E, com o Plano Marshall, o Japão recebeu muito capital americano. Estava se formando um novo mercado emergente de possibilidades. Criou-se uma poderosa indústria de entretenimento. Logo, milhares de desempregados transformaram-se em milhares de trabalhadores. Em pouco tempo, o povo estava alfabetizado e ensinando a ler.

Depois dos anos 40/50, os japoneses deixaram a mera cópia dos comics (quadrinhos americanos) e caíram na busca por um estilo próprio. Isso se conseguiu pelas mãos de Osamu Tezuka, que alcançou tamanho renome que é, até hoje, chamado de Deus do Mangá (Manga no Kami) ou Deus Desenhista (Mangaka Kami). Editoras pequenas e médias investiam em histórias em quadrinhos, contratando todos os talentos disponíveis. Os editores tinham uma visão clara: se existem trabalhadores, deve-se existir algo que lhes faça escapar da rotina triste do pós-guerra, algum lazer. Assim surgia o mercado do mangá.

Nas idas e vindas ao trabalho (62% dos trabalhadores usam o trem diariamente), na tranqüilidade do lar, na hora do almoço e do sono, nada como uma boa HQ.

Assim sendo, os mangás, cujos artistas vieram exatamente daquela camada da população ao qual o tema do gibi se direciona, passaram a acalentar os leitores com diversos tipos de histórias: fantasia, policial, samurais, ficção científica (o país estava no começo da onda tecnológica), romance, esportes (uma paixão japonesa), sexo (outra paixão japonesa!)...

Dos anos 80 para cá, as editoras, já firmemente fixas no cotidiano japonês, transformaram o mangá em um lucro incomensurável.

 

Fontes: Animax, Animação